Audre Lorde e “A transformação do Silêncio em Linguagem e Ação”: uma resenha

Julia Drummond
2 min readSep 1, 2017

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LORDE, Audre. The Transformation of Silence into Language and Action. Apresentação lida no painel sobre lesbianismo e literatura, da Associação de Língua Moderna, em Chicago, Illinois, em 28 de dezembro de 1977.

O texto analisado, traduzido livremente para “A transformação do Silêncio em Linguagem e Ação”, foi desenvolvido a partir de uma palestra oferecida por Audre Lorde em 1977, em Chicago. Audre Geraldine Lorde, nascida em Nova York, em 1934, e morta em 1992 de um câncer de mama, foi uma poetisa, feminista interseccional e ativista negra e lésbica.

A autora faz questão de enfatizar seu lugar no mundo sempre que fala em público, o que traz em si a noção da perspectiva interseccional.

No presente texto, Audre fala de como o silêncio não irá proteger as mulheres. Que o medo de se posicionar e não ser compreendida, ou ser censurada, ou mesmo de ganhar a visibilidade sem a qual não conseguimos viver, não deve nos impedir de falar. A visibilidade a partir do posicionamento nos torna vulneráveis, mas também nos fortalece, uma vez que a máquina — e aqui considero o patriarcado e o racismo — tentará nos transformar em areia, falemos ou não.

Por esse motivo, devemos falar, pois desse modo podemos sobreviver, tomando parte num processo da vida que é criativo e contínuo, que nos faz crescer. E, para tanto, é necessário que cada uma de nós atue para compartilhar essas vozes com dificuldade de ecoar.

Nesse ponto, a autora faz uma crítica às feministas brancas que se recusam a ministrar textos de autoras negras “por não viverem a experiência destas mulheres”, mas que passam a vida inteira ensinando Platão, Shakespeare e Proust. Audre finaliza sua palestra defendendo a importância da sua tentativa de quebrar o silêncio e construir pontes entre as diferenças, uma vez que não são as diferenças que nos imobilizam enquanto mulheres, mas sim o silêncio.

O presente texto traz uma importante reflexão sobre silenciamento e vozes reprimidas. E aqui faço um paralelo com o texto “The master’s tools will never dismantle the master’s house”, no qual Audre faz uma crítica às mulheres ainda presas às diferenças que as separam e que, no final das contas, não beneficia nenhuma delas.

O silêncio pode vir da imposição de uma linguagem específica — a linguagem acadêmica, por exemplo — ou mesmo do epistemicídio. Mulheres que ousaram quebrar esse silêncio e usar a própria linguagem foram extremamente importantes para o ecoar de vozes subalternizadas e por fazer o movimento feminista se repensar. Afinal, onde estão as mulheres negras nas conferências e congressos de mulheres? Sojourner Truth é um ótimo exemplo de mulher que ousou falar quando não lhe foi dada a palavra. “Ain’t I a Woman” é um exemplo vivo de como quebrar o silêncio é essencial para nos libertar, ainda que o medo de ser mal compreendida ou mesmo de sequer ser ouvida paire sobre nós.

Vamos todas morrer, mas a escolha de compartilhar as nossas verdades e fazer o movimento feminista avançar na busca pela emancipação de todas as mulheres é de cada uma, ainda que com medo.

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Julia Drummond

Feminista, negra, advogada, mestre em Direitos Humanos pela USP. Gosto um pouco de scifi, dar pitaco em séries, aulas de dança de clipe e vídeos de gatinhos.