Ela quer tudo: primeiras impressões

Julia Drummond
2 min readJun 19, 2020

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[PODE CONTER SPOILERS]

Texto escrito originalmente em 7 de dezembro de 2017.

Minhas impressões sobre She’s Gotta Have It (Ela quer tudo), nova série da Netflix dirigida por Spike Lee:

  1. Não sou o tipo de pessoa que manja super de cinema, então vou dizer o que achei enquanto espectadora comum mesmo: o ritmo pode ser um pouco lento pra quem espera uma série mais desenrolada. A minha impressão é a de que o Spike Lee quis tornar a narrativa beeeem didática, então existem várias cenas narradas pelos personagens olhando para a câmera. Confesso que isso me deixou um pouco entediada, mas se a intenção for ser didático, pode ser um caminho.
  2. A história em si é bem interessante: Nola Darling é uma mulher negra, artista, pansexual e poligâmica. Pra quem espera uma mulher negra num lugar comum, esquece. A proposta da série é problematizar as caixinhas, tanto do status quo quanto do próprio movimento negro, que espera que todos se engajem da mesma forma. Nola é muito orgulhosa da sua arte e insiste em fazê-la do jeito que sente que deve fazer, seja por pinturas expostas em museus, seja por lambes anti assédio colados nos muros.
  3. Sobre os relacionamentos: Ela se relaciona com 3 homens e 1 mulher, mas criou regras próprias para lidar com todos. A mensagem da série é a de que o foco da vida dela é ela mesma. Chega num ponto em que parece que ela só consegue lidar se terminar com todo mundo, mas na verdade não é bem isso. Acredito que a ideia é mostrar que é possível manejar a maneira como você se relaciona sem desviar de você mesma, sem que você tenha que entrar numa caixinha destinada a você.
  4. Além disso, Nola apresenta muitas dúvidas sobre como levar os relacionamentos, o que a humaniza e aproxima da gente. Quem nunca noiou com isso, néah? haha
  5. Acredito que a série tem muito a contribuir com o debate racial, ainda que a nível de entretenimento, porque a Nola nos tira da oposição vilã/heroína e nos humaniza. Nós também podemos pensar em relacionamentos não monogâmicos, nós também podemos ser artistas, nós também podemos fazer terapia, nós também podemos pensar em nós mesmas sem ser consumidas pela culpa.
  6. Pra falar a verdade, eu tenho muito mais coisa pra falar sobre a série, mas acabei de terminar e preciso refletir sobre o que cada episódio significou. São muitos temas dentro de temas, como gentrificação, objetificação dos corpos negros — femininos ou não — , machismo (muito), negros de classe média, autonomia feminina em diversas formas (não só financeira, mas também emocional), enfim.

De qualquer forma, recomendo fortemente a quem quer fugir das séries senso comum. Vale a pena ;)

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Julia Drummond

Feminista, negra, advogada, mestre em Direitos Humanos pela USP. Gosto um pouco de scifi, dar pitaco em séries, aulas de dança de clipe e vídeos de gatinhos.